Examino longamente o cardápio. Ainda do lado de fora, decido o que comer: sopa da estação (batata, alho-poró, maçã e cebolinha por $12) e nhoque da estação – vamos respeitar a sazonalidade! – (batatas de Jerusalém, parsnip, castanha e pesto de dente-de-leão). Sento em uma mesa à janela – as pessoas passeiam com cachorros vestindo capas de chuva caninas, uma escavadeira bloqueia metade da rua rasgando o asfalto para expor as galerias pluviais. Levanto e caminho para observar a cozinha. Há dois cozinheiros, estão fazendo minha sopa. A cozinha é enorme, espaçosa, pé-direito alto, muita amplitude e completamente aberta para o salão. Mas a imensidão da cozinha dá um sensação de distância, especialmente do fogão, lá do outro lado, como se um amplo campo separasse os cozinheiros do salão. Não ouço o que falam, mas dão risadas. A manhã está tranquila, há só mais duas ou três meses ocupadas.
Volto para mesa e faço essas anotações. Chega a sopa. Primeira colherada e sinto uma vertigem de quem cai da cadeira. Puta que pariu. É tão aveludada e rica! Paraliso por um par de segundos e corro para a segunda. Está tudo no ponto. A temperatura não está quente que eu tenha de levar horas assoprando, nem fria de forma que esteja gelada ao final. Os pratos aquecidos ajudam, claro. Não é molho, mas está napê. A pimenta incomoda, me aquece, mas não chega a se tornar insuportável na minha boca. A maçã refresca e oferece crocância. As poças de azeite são amanteigadas e ligeiramente verdes. Talvez por ajuda da fome e da neve: melhor prato de comida que tive em NYC até agora.
A vantagem de restaurantes bistronômicos em relação aos finos é a possibilidade de simplesmente servir comida gostosa sem medo de falhar na pretensão. A possibilidade de servir uma sopa de batatas e maçã, sem ter de se preocupar em tornar o prato mais caro, pelo simples fato de que batatas e maçãs são mais gostosas que ostras e caviar.
Os nhoques não são particularmente bonitos, o cheiro que sobe é do parmesão. Os nhoques estão selados, tostados e crocantes por fora, macios e elásticos por dentro: é uma borda de pizza, é igualzinho a comer borda de pizza. Acho que prefiro nhoques quebradiços como purê, não elásticos como massa de pizza. Embora tenha comido sopa de batatas agora mesmo, preferiria nhoques batatudos. Será que fazem nhoques com a mesma massa da pizza? O que significaria haver batata na pizza. Ideia: porque ninguém faz massas de pizza com adicionais? Pizza com massa de cenoura ou abóbora! Revolucionário!
O pesto de dente-de-leão acrescentou nada, não é aromático, não tem sabor. Deveria ser algo ácido, algo verde, algo refrescante. Com os vegetais ricos em amido, o prato é pesado, desce com dificuldade. Porque servir nhoque com batatas e cenoura? Cadê aquela maçã da entrada? Sofro para terminar. Não quero mais. Eu não engulo.
A garçonete simpática, mas ordinária, me oferece o cardápio de sobremesas. Bem… Não custa olhar. Nada me chama a atenção, exceto o gelato: “Black mission fig, maple walnut & chocolate” por $9. Figos, nozes, maple e chocolate? Parece uma combinação interessante, vale dez dólares. Chamo a garçonete e peço um “gelato”. Ela responde quais sabores e eu compreendo que são sabores individuais! Merda. Hesito, queria desistir, mas não consigo encontrar forças para dizer que então não vou querer. Ela vê que eu fiquei perdido e explica que posso escolher dois sabores. Bem, se posso escolher dois sabores, posso misturá-los. Não vai ser sorvete de figos, maple-nozes e chocolate, mas pode ser sorvete de dois desses. Quero chocolate, mas não estou aqui para agradar minha boca, estou aqui para explorar. Embora avaliar a qualidade do chocolate seja um grande indicativo, peço o figo e o maple-nozes. Foi um engano. Um enorme engano. Está com cristais de gelo, está insípido, está bem ruim. Ideia de jerico pedir sorvete num dia que neva.