O Pôr do Sol é um sujinho. Daqueles fora do armário, bem resolvidos consigo mesmo. O almoço, bufê livre com direito a uma carne e uma sobremesa, custa R$14 por pessoa. Mais um copo de suco de laranja, R$15,90. O bufê tem uma cuba de feijão e seis opções de carboidratos amarelos criativamente repetidos: massa com ou sem alho; batata cozida, frita e chips; polenta mole e frita; aipim cozido e frito; arroz e bolinho de arroz. Tudo ao mesmo tempo e é tudo o que tem. Direto do banho-maria, há duas opções de carne: frango assado esturricado ou nervo de panela boiando em um molho quebrado. É, complicado. Ainda assim, o almoço de domingo no Pôr do sol é um dos hábitos inconfessáveis desse crítico. Perdoa-me, polícia do bom gosto, eu sou pecador.
Eu posso explicar. Um dos incômodos que tive ao me mudar para Porto Alegre foi a péssima qualidade das hortaliças. Nos restaurantes, as folhas estão sempre machucadas, jogadas, terríveis. Os gaúchos têm esse orgulho ridículo em não comer salada, em considerar tudo que for verde uma comida menor. É um ciclo. Eles não comem porque são péssimos, são péssimos porque não comem. Morar aqui abaixa o padrão, acostuma, naturaliza. Mesmo em restaurantes com tíquete de R$30 ou R$40, é o normal, é o que tem. Afinal, quem se importa com salada? Bem, o Pôr do sol.
O bufê de salada é impecável. Como assim? Assim. Folhas perfeitas, verdes, frescas, crocantes. Frutos (como tomate, pepino, chuchu) sem amassados, nem passados, nem verdes, nem oxidados. As folhas da rúcula estão sempre alinhadas, em ordem de tamanho e com os talos virados para o mesmo lado. Acho lindo, é o auge do T.O.C. Tem maionese decente, cenoura ainda com cor viva e azeite tipo único (porque, no auge da honestidade, é preferível um refinado a um oxidado ou um misturado com óleo de soja). Tivesse vinagre de maçã no lugar dos de vinho, seria a cereja no bolo.
Para fugir das carnes do bufê, pode-se pedir um bife frito na hora. É divertido que costumem perguntar o ponto. Bife não tem ponto. Passa de cru para cozido para torrado, não há espessura para fazer mal passado, ao ponto, bem passado. Já pedi os três para ver o que acontece e o bife sempre vem igual. Direto da frigideira, numa bandejinha de metal, embebido em óleo quente e marrom de rôti. Senhor, só falta acebolar! Nas sobremesas, o sagu e ambrosia são carregados no cravo, prefiro o pudim duro. Ao lado do caixa, o café, um robusta torradão, vem num copo compridinho, é uma generosidade comedida.
Há pelo menos um ano, eles não aceitam cartão “ainda”. Dá ternura ver o pudor em assumir que não aceitam e nunca aceitarão. Vejo algum romantismo na rebeldia a essa “obrigação” da vida empresarial, embora no Pôr do sol deva ser apenas uma impossibilidade financeira mesmo. Pragmaticamente, cartões trazem mais ônus aos estabelecimentos que benefícios aos clientes. É um custo dispensável, para que intermediário? Melhor dar dinheiro diretamente a esse negócio familiar que sustentar gigantes financeiros. Pai e filho atendem, a mãe cozinha, a netinha passeia assistindo à Peppa Pig no tablet com o volume competindo com a TV sempre ligada na Globo.
Às vezes, tudo o que queremos no almoço de domingo é um lugar barato para compensar as ilusões de riqueza do sábado. Melhor ainda se não tiver as filas e pretensões dos sujinhos famosos e tradicionais da cidade, que na real são ruins e caros. E apenas perfeito se ficar aberto até as 15h, servir salada fresca e fritar na hora um bife macio de tanto apanhar.
Atualização (04/2018): Agora eles aceitam cartão.