A viagem demorou mais do que esperávamos, corremos direto para a mesa. O couvert – crostini e manteiga com limão bergamota e flor de sal – traçou ótimos paralelos: crocante e cremoso, gorduroso e ácido, salgado e aromático. Tudo em cima, tudo equilibrado. Começamos bem! A entrada – beterraba grelhada na brasa, queijo de cabra, chips de alho, folha da beterraba e flor de sal – é clichê, mas é clichê porque funciona. O aroma da lenha, o amarguinho do alho, a doçura da beterraba, a acidez do queijo, a textura das folhas, as pequenas explosões da flor de sal. De novo, tudo em cima, tudo equilibrado.
Porém, a festa durou pouco, o principal – prime rib, chimichurri e vegetais grelhados – fez a música parar. Senta aqui, vamos conversar. Gostei da “agregada de valor” utilizando um corte gringo, foi uma forma inteligente de fazer algo diferente sem gastar muito. Mas o que veio à mesa, vamos combinar, não é prime rib, tem coisa a mais nesse corte (compare com imagens da internet). E aí, okay, apenas grelhar na lenha é o melhor a se fazer com o prime rib, porque a carne é macia. Só que e esse extra? Duro feito pedra; nervo e cartilagem para todo lado. Sem cozimento longo é, com todo respeito ao boi, sujeira. O açougueiro sacaneou? Resolva, não passa à diante, não sacaneia o cliente.
Mesmo que não estivesse ocupado batalhando para tirar algum proveito do pedaço flinstoniano de carne, mal teria notado a presença dos vegetais no canto do prato. Meia abobrinha cavucada e dois tomates tostados na lenha. Nem imagino qual era a ideia para eles, o que estavam fazendo ali, o que deveriam acrescentar. Os aromas do principal eram os mesmos entre si e eram os mesmos da entrada: alho e fumaça. De novo? Não sabem fazer outra coisa? É como se o DJ tocasse a mesma música duas vezes. Seguidas. Numa festa com apenas 4 músicas. Ou seja, o principal foi um desrespeito aos produtos e um desrespeito a quem pagou R$130 nesse almoço.
Por fim, a sobremesa – papelote de frutas na lenha com sorvete de baunilha – foi o balde de água nas cinzas remanescentes. Adivinhem: mais fumaça. Pelo menos, ufa!, não tinha alho. Tá, mas senta aqui de novo: a graça toda do papelote está em levar direto do fogo para a mesa, deixando que o comensal abra o pacote e receba a lufada de aromas. Essa é a justificativa, a essência, do papilote. Não contentes em abrirem na cozinha, os gênios colocaram uma bola de sorvete. Sim, tira as frutas da lenha, abre o papelote, deixa os aromas irem embora, joga um sorvete em cima, fecha de novo e espera uma eternidade para os coitados dos garçons desorganizados levarem à mesa. Sopa de baunilha?
Acabou a refeição, nos olhamos. Ainda estamos com fome. Não acho que que comemos mais que a média, por que estamos com fome? Damos uma olhada no cardápio, tudo soa caro. Deixa quieto, vamos passear pela propriedade, talvez mais tarde. Os clientes pomposos estão descontraídos nos gramados, isso me gera o efeito inverso, fico desconfortável. Já fui em muito restaurante elitista, mas O Butiá… Talvez o isolamento, o ócio, o bucolismo, a luz do dia. Um oásis para pessoas ricas e seus serviçais uniformizados. Parecia… uma comunidade higienizada, daquelas utópicas de seriado apocalíptico. Não sei, achei esquisito. Mas para quem curte, fica a recomendação.
Damos a volta e, ué, por onde vai para o resto da “ex-fazenda”? Bem, não vai, só temos acesso a isso mesmo, um lotezinho em L com um pedacinho de margem na ponta do corredor mais curto. Ótimo, caí em mais uma, acreditei no auê todo da internet. Santa ingenuidade, mereço ser canonizado. Achei que era uma bela fazenda, com reserva, trilhas, praia e uma baita vista do rio. É um gramado com umas pedras e muito estacionamento pros carrões. E se você esticar o pescoço e olhar bem no fundo, dá para ver o rio ali, tá vendo?
Em todo caso, foi nos quinze minutos de caminhada exploratória que a melhor parte do almoço apareceu. Entre as pedras perto da margem, vários arbustos de folhas redondas e flores alaranjadas. Capuchinhas! Corri até elas, não pensei duas vezes e coloquei uma flor na boca. Nham! É quase o mesmo sabor do agrião, só que mais picante e deliciosamente doce. Uma explosão de sabor. Pego outra. E mais outra. E mais outra. E mais outra… Bah, que banquete!