SESC Centro

É com imenso prazer que escrevo sobre a Lasanha Saudável do Restaurante SESC Centro. Ela é um dos tesouros que confirmam a frase “qualquer um pode cozinhar” do Auguste Gusteau porque a máxima não diz que todos são capazes de cozinhar, diz que comida extraordinária pode vir de qualquer pessoa ou lugar. Inclusive de um refeitório que cobra R$9 (comerciários), R$10 (empresários) ou R$11 (público em geral) num bufê livre com direito a uma carne, uma sobremesa, refresco, água, chá e cafezinho. Para uma blogueirinha comunistinha, o fato do SESC fazer parte do Sistema S, criado por Getúlio Vargas para reverter um pouco do lucro patronal em benefícios aos trabalhadores, torna a lasanha uma daquelas migalhas que fazem a vida nos porões secretamente mais feliz que a vida no salões nobres. Né, Rose?

As espaçosas mesas compartilhadas são objetivas, adequadas e um ótimo lugar para observar e ouvir pessoas. Como boa colunista social, enumero: famílias da região metropolitana que vieram ao Centro fazer compras, colegas de trabalho reclamando do chefe, jovens com uniformes de escolas e cursinhos da redondeza, um garoto sempre lendo uma Piauí, um casal de cegos com seu filho queridinho e um aposentado rabugento que sempre ameaça roubar a minha sobremesa – é sério. Os que almoçam lá diariamente se tornam aquelas pessoas sobre as quais se sabe tudo, menos o nome. Às vezes, cruzo com essas pessoas em outro lugar, levanto a mão num aceno, lembro que nunca trocamos uma palavra, levo a mão ao cabelo para disfarçar.

Além do SESC Centro (Av. Alberto Bins, 665), há dois restaurantes-irmãos: Centro Histórico (R. Vig. José Ignácio, 718) e Navegantes (Av. Brasil, 483). O da Alberto Bins é indiscutivelmente melhor. O salão tem pé-direito baixo, tornando-o mais barulhento e abafado, porém, é o único com um bom exaustor na cozinha, impedindo que a gente saia do almoço com as roupas e cabelos cheirando à bife frito. E a comida do Centro é sempre melhor. Há mais saladas, frutas e vegetais. Todo dia tem uma sopa, então, além dos pratos rasos pequeno e grande, há prato fundo e cumbuca (ótima para as frutas).

Em geral, a comida é bem temperada, um baita negócio quando se paga R$9 num almoço completo. O bife é bom, o estrogonofe é bom, a carne de panela é boa. O frango assado costuma estar macio e suculento por dentro, crocante e dourado por fora. As folhas e frutos da salada frequentemente estão machucadas e passados, o óleo é composto (soja com azeite lampante), o vinagre é de álcool. Nada que impeça comer, nada que não seja igual ou melhor que a maioria dos bufês dessa cidade. A sobremesa é gelatina ou qualquer outro pozinho ao qual se adiciona água ou leite e põe para gelar. Tão R.U. quanto bolacha recheada é recreio: me lambuzo.

A banana com creme de leite e amendoim torrado, presente nos dois restaurantes do Centro, é uma bela combinação. A banana é macia, doce, frutada e aromática; o amendoim é sempre torrado um ponto a mais do que o cânone, então, ultra crocante, ligeiramente amargo, com notas sóbrias de café, fumaça e amendoado; o creme de leite faz a ligação entre os dois elementos tão contrastantes e complementares. Mas o contraste da banana não chama tanta atenção quanto o de uma outra receita exclusiva do SESC da Alberto Bins: a Lasanha Saudável. Massa, queijo, molho branco e acelga. Outros bufês dessa cidade podem ter pratos melhores, mas dificilmente algum terá um prato tão ingenuamente genial, nem os que cobram quatro vezes mais que o SESC.

Aposto que foi ideia da nutricionista, uma forma de servir lasanha sem serem calorias completamente vazias. Não sei o quão nutritivo acelga pode ser, acredito que pouco, mas em termos sensoriais, a Lasanha Saudável sova as clichês lasanhas de abobrinha e berinjela até o ponto véu. Mesmo cozidos, os talos da acelga mantêm a crocância, o frescor, a picância e o aroma herbáceo. O frescor e a suavidade da acelga (que claramente não é salgada antes da montagem) contrasta com o molho gorduroso e rico que está sempre ligeiramente salgado (provavelmente porque estava no ponto na panela, antes de montar a lasanha, mas reduziu durante o forneamento e assim ficou salgado). O contraste provoca um prazer intenso, uma montanha-russa de sensações. Como dizem as inimigas: é de comer rezando.

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