Há dois fatores cruciais em um brownie: textura (crocante nas bordas, cremoso no centro) e sabor (chocolate, tem de ter sabor de chocolate). Em relação ao segundo, não existe mágica. Se fizer brownie com chocolate bom, vai ter sabor bom; se fizer brownie com chocolate parafinado, ele vai ficar com sabor de moedinhas e guarda-chuvas; se fizer com cobertura “sabor chocolate” (vulgo fracionado), vai ter sabor de margarina, açúcar e aromatizantes; se fizer com aquelas barronas (ditas “nobres” porque têm míseros 25% de cacau), vai ter sabor de açúcar, margarina, resquícios de cacau, leite reconstituído, emulsificantes, estabilizantes, conservantes e aromatizantes. Mastigue o brownie da Charlie Brownie com calma, não devore. Tem sabor de quê?
Aí, para dizer que a sobremesa não é só doce, que não é enjoativa, que tem contrastes, que tem algum valor gustativo, regam com calda de frutas vermelhas com pouco açúcar. Acrescentar calda com pouco açúcar ao brownie da Charlie Brownie tem tanto valor quanto acrescentar refrigerante zero ao combo do fast food: zero. É batom em porco. Nada contra fast food, margarina ou achocolatado, são a base da minha alimentação. Só não vejo sentido em pagar mais de R$15 no quilo. Assim, pergunto: por que comer na Charlie quando existem lugares em Porto Alegre que fazem brownies de chocolate de verdade – adivinhem, aquele belga desalmado – pelo mesmo preço?
É estrangeirismo meu, só gosto quando fazem com chocolate importado? Não. O melhor brownie que já comi era feito com o da mata atlântica – fica a dica, confeiteiros. É elitismo, só com chocolate caro? Olha… mais ou menos isso. Para fazer um bom brownie, precisa de bom chocolate. Bons chocolates são mais caros que chocolates ruins – me soa absolutamente natural. Claro, há exceções, há espertinhos, há genialidades. Tem um lugar que faz com barrona “meio amargo” (apesar de terem os mesmos nomes/marcas, não têm mesma formulação que as barrinhas de 100 g, pode conferir) e complementa com cacau em pó numa mágica que me derruba da cadeira. Acrescentar cacau em pó é comum, vários fazem (alguns só colocam cacau em pó, nada de chocolate, aí não é brownie, é bolo achocolatado! Cacau em pó não é chocolate, chocolate não é cacau em pó, e para ser brownie, precisa ter bastante chocolate), mas só esse lugar consegue um resultado espetacular. Como? Nem ideia.
Enfim, e não existe lugar para brownie sem pretensões, um brownie de chocolate meia boca, só para adoçar mesmo? Claro que tem! Nos domingo de sol, a Redenção se enche de jovens universitários vendendo brownies sabor margarina e achocolatado por R$2. Vê, existe lugar pra tudo nesse mundo. Inclusive balas de goma industriais: no super, nas lojas de doces, nas Americanas. Agora… balas de goma da Docile na Charlie Brownie? Se ao menos estivessem na embalagem e preço originais, ou assumissem o fabricante. Mas ali, daquele jeito, cinco gominhas industriais em embalagens gourmetizadas que custam mais caro que a própria meleca de glucose dentro? Sei lá, acho estranho, soa eufemismo açucarado para estelionato. Reembala, vira mais que bala, candy?
Ver as balinhas reembaladas me faz alucinar: imagina se fizessem balas, caramelos e machimelos artesanais? Seria incrível! É, eu sei, é utopia, nunca daria certo, dá um trabalho infernal, seria muito caro, não tem público. Bem, já tem gente fazendo em Porto Alegre, é aí que entra o trabalho, inteligência e conhecimento do empresário: criar um modelo viável. Ser dono do negócio não é ficar reclamando disso, dando desculpa daquilo. É estudar sua área, ser especialista em seus produtos e fazer acontecer, questionar as práticas de mercado, gerar novos hábitos de consumo, assumir seu papel de liderança e referência na área de atuação. Chega de jogar pó de pirlimpimpim e chamar de gourmet. Pô, se tirar o chocolate, o doce de leite e as frutas vermelhas, sobra nada nas confeitarias brasileiras. Imagina um caramelo de cupuaçu? Uma refrescante bala de manjericão? Vamos lá, sabe? Vamos estudar, explorar, arriscar, se esforçar, vamos fazer a nossa comida melhor.
Tá, mas e se você quiser pagar caro num brownie sabor margarina e numa bala de goma industrializada por conta do lugar, da embalagem mesmo? Tudo bem, o dinheiro é seu. Só que quando você compra na Charlie Brownie – e não nos vizinhos que têm tudo isso mas também brownie de chocolate, chocolate -, você está votando com o seu real na opção gustativamente mais pobre. É um incentivo para que a comida na cidade seja pior sensorialmente e nutricionalmente – chocolate é menos nocivo que margarina. Você empobrece a cultura culinária, deixa claro que a alma do negócio, o produto principal, não importa. Importam as aparências, importa o faz de conta.
Também sugiro repensar, mas repensar mesmo, a necessidade de tanto estrangeirismos. Toppings, blends, drinks, pets, love. Tudo bem, fica lindo, chique, agrega ao camarote, deve até vender mais, não sei. Porém, quem já trabalhou em atendimento sabe que a maioria das pessoas não entende e não sabe pronunciar palavras estrangeiras. Não, não sabe. Nem os jovens universitários. E ninguém tem obrigação de falar inglês, o problema não é o cliente. O problema é o complexo de vira-lata do publicitário e do empresário que aceita esses posicionamentos de marca de merda, porque quem está na linha de frente sabe que é constrangedor. As pessoas enroscam, ficam com vergonha, se sentem burras, menores. É esse o tipo de empresa que você quer ser? A que agrega valor ao camarote ao custo do constrangimento dos clientes?
Não escrevo essas coisas porque quero que as pessoas deixem de ir à Charlie Brownie, porque lhe desejo mal. Pelo contrário, lhe desejo tudo de melhor, especialmente produtos melhores. Sei que não é má índole ou mesquinharia, é falta de conhecimento, é falta de reflexão, é ignorância. Desejo bem a Charlie Brownie porque é uma das pouquíssimas empresas do ramo de serviços alimentícios que se importa com seus funcionários. Clientes e empresários podem se importar com muitas coisas (incluindo uma enorme lista de batons em porcos: sal light, cabelo na comida, o absolutamente insignificante canudinho), mas parecem incapazes de perceber as pessoas que estão ali, na frente deles. Ignora-se em absoluto os direitos (piso? carteira assinada? adicionais? folgas? jornada máxima? caixinha? horas extras?), ignora-se em absoluto a humanidade (quem sustenta uma família com mil reais?).
A Charlie Brownie contrata pessoas que precisam de uma chance, um voto de confiança, uma oportunidade para mudar a vida. Vá às Charlie Brownie, evite os brownies, candies e drinks; peça histórias e lencinhos.