Aaron Silverman, além de um James Beard de melhor chefe de cozinha do Meio Atlântico, tem três restaurantes. O Pineapple & Pearls de duas estrelas Michelin, o Rose’s Luxury de uma estrela e o Little Pearl, um restaurante informal que funciona do café da manhã ao jantar. De noite, o Little Pearl oferece um menu degustação de oito cursos por US$45. A proposta é desafiadora. Como justificar, sustentar e tornar relevante um menu degustação de oito pratos sem poder usar ingredientes caros, equipamentos sofisticados, mão de obra para coisas trabalhosas/detalhistas ou mesmo recursos (tempo, espaço, insumos) para encontrar soluções para essas limitações? Mais do que o desafio prático, a proposta questiona também a essência, os limites e a finalidade de um menu degustação.
O primeiro prato é um ovo endiabrado. Não, espera. Aperto os olhos e me aproximo na meia-luz. Não é um ovo. Mordo e descubro que a “clara” é um suspiro bem doce, bem ácido e bem crocante. A “gema” é um creme de gemas bem salgado e apimentado. Então, sim, é um ovo, um ovo desconstruído. A “clara” ainda é a clara, mas modifica para ser crocante, cítrica e doce; a “gema” ainda é gema, mas cozida lentamente para ficar cremosa e salgada para acentuar o sabor delicioso de uma boa gema. A combinação contrastante de gostos (sal, doce e ácido), aromas (cítrico e gema) e textura (crocância e cremosidade) deixou meu queixo no chão. Delicioso, divertido, inteligente e muito barato. É o começo perfeito, representa o que vem pela frente com potência, fanfarra e confete.
O rösti com hollandaise tem crocância delicada, interior que derrete na boca e muitos, mas muitos, produtos da reação de Maillard. É apenas batata frita, mas a melhor batata frita que você pode imaginar. A couve-de-bruxelas é frita e assada, vem caramelada e muito bem acompanhada por vinagrete de xerez, mel, macadâmia e fatias de ovo. A torrada de berinjela assada, molho de tomate fermentado e parmesão são mais mordidas de se fechar os olhos e apertar o guardanapo. Tão fácil, tão saboroso, tão barato. O queijo vem antes do principal: sorbet de pêssego de sabor muito intenso e cremosidade surpreendente, praliné cítrico de pinoli e queijo de cabra complexo e equilibrado (boa acidez, inicia com um sabor agradável de cabra e termina com aromas e pungência próximas ao gorgonzola).
De principal, meio hambúrguer bem feito, mas decepcionante depois de tantos pratos surpreendentes. Dentro do orçamento, servir um hambúrguer é inteligente, mas confiaram demais na nostalgia – como de repente só funcionasse com locais, aviso que minha companhia, um nativo do Meio Atlântico, também não viu muita graça. Os anéis de cebola que acompanham são gostosos, crocantes e ligeiramente apimentados, mas também acompanham o conservadorismo insosso. Eu certamente trocaria os dois hambúrgueres por um único mais alto, rosado por dento, crocante e salgadinho por fora; e aplicaria a ousadia dos pratos anteriores também no picles, alface e tomate do sanduíche.
De sobremesa, um divertido sorvete de leite e canela empanado em cereal matinal para parecer frito e, em seguida, um cookie “mal passado” (palavras deles) de boa manteiga e gotas de bom chocolate acompanhado por uma dose de “leite” (palavra deles) de nozes e conhaque. São ideias simples, despretensiosas, gostosas, apropriadas, contextualizadas. O jantar se baseia na criatividade de alterar pequenos detalhes de coisas comuns para gerar resultados divertidos, leves e acessíveis. O rigor em entregar comida feita para ser comida põe em xeque a fixação de menus degustações por ingredientes raros, apresentações rocambolescas, cenografias descontextualizadas e comida feita para “lacrar”.
Com Little Pearl, Silverman volta à essência da arte gastronômica: uma proposta, uma visão de mundo, um manifesto expresso esteticamente pela comida. A forma com que consegue encaixar comida extraordinária num menu degustação de US$45 é encantadora, questionadora, convidativa: que tal tornarmos a gastronomia cada vez mais inclusiva, não exclusiva?