Manteigaria

Do lado de cá do balcão, há apenas uma estadunidense com um pastel de nata e uma meia-de-leite. Peço o mesmo. A primeira mordida é o paraíso. A massa tem sabor maravilhoso que só a junção de gordura, amido e reação de Maillard pode ter. Sua textura finamente crocante contrasta à perfeição com a infinitude cremosa do recheio.

Um senhor português chega, pede e começa a comer o recheio de colher. Eu e a gringa lhe assistimos sem disfarçar: é assim que se come por aqui, eu deveria comer de colher? Outros portugueses chegam, seguram com os dedos e mordem. Ufa, o cara da colher é um excêntrico. Mas não pro café, ele pediu espresso como todos os portugueses. Nós, americanos, somos café-com-leite; os europeus jogam pra valer.

Lá pelo meio do pastel, os aromas de caramelo prevalecem. Eu gosto, por favor, obrigado. Mas as mordidas seguintes escorregam as pedras portuguesas ladeira abaixo. Sinto menos aromas e cada vez mais dulçor. O leve toque de canela cresce e toma conta de tudo. Os portugueses acham insuficiente, invariavelmente acrescentam de início mais uma ou duas chacoalhadas de canela em pó. Talvez pela estética, o contraste do pó escuro no recheio claro. Na última mordida, o açúcar começa a arranhar a garganta.

Pego meu segundo pastel e parece que era todo o incentivo que a gringa precisava para mandar descer mais um também. O segundo pastel é insuportavelmente doce, mesmo intercalando com o café amargo. Que loucura. Onde foi parar aquela primeira mordida paradisíaca? Os portugueses sabem disso, comem apenas um e vão embora. Nós, americanos, somos gulosos. Os europeus sabem os limites dos prazeres da vida.

O senhor termina o recheio, pressuponho que vai jogar a massa, qual seria o sentido de comer o creme de colher senão para descartar a massa? Ele pega o anel de massa com os dedos e morde. Bem, deve ser o mesmo sentido de quem abre a bolacha e come o recheio primeiro. Nisso, sou culpado. Posso julgar ninguém.

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