Jeronimo

Por coincidência, tenho em cima da mesa justamente com um exemplar d’A felicidade paradoxal que comprei para presentear. Nele, Lipovetsky descreve e analisa uma fase do consumo que apelidei de “compro, logo existo”. Dentre um outras coisas, Lipovetsky argumenta que, com o declínio/individualização/fluidez das macro identidades modernas como religião, nacionalidade, espectro político (esses estão dando um repique retrógrado recentemente, o livro é de 2009), profissão e até família, construímos nossa identidade por meio do consumo. Do consumo? Nunca, não sou consumista. Então…

Lipovetsky é um fora-do-meio. Não vem do Quartier Latin, não fez doutorado e ainda tem a pachorra de desafiar as críticas marxistas de consumo como distinção de classe ou ópio alienante. Para ele, mais que ostentar e anestesiar as injustiças do capitalismo, consumimos para nos definir. Quando escolhemos o que consumimos, escolhemos quem somos. Sou a pessoa que quer uma bicicleta dobrável, uma moto barulhenta ou o sedan do ano? Que ouve sertanejo ou ouve metal, viaja ou casa, cita Lipovetsky ou Bourdieu, que vê Marvel ou von Trier, que usa Android ou IOS? Ou aquela que consome tudo isso junto num mexidão?

Por isso que nos descrevemos no perfil do Tinder, colocando aquilo que gostamos de consumir: tais séries de TV, tais músicas, tais bebidas psicoativas, tais esportes, tais livros, tais passeios, tais comidas. O que consumimos constrói nossa identidade. Lipovetsky acredita que basear a identidade pelo consumo não é todo ruim, tem pontos positivos, especialmente a liberdade. A identidade na pós-modernidade não segue grupos, cartilhas ou imposições, podemos escolher caso a caso, mudar quando e quantas vezes quiser. Podemos almoçar um bandejão e jantar um degustação, podemos meditar durante a semana e ir à missa no domingo, podemos ser um bípede no cotidiano e votar no Bolsonaro nas eleições.

Mais que moldar nossa identidade, outras esferas da vida também passam a se comportar como produtos e serviços. Consumimos religião, política, esporte, cultura, sexo e família como e quando queremos. O mesmo acontece com moralidade, consumimos em mêmes, textões, curtidas, doações e votos. Exercemos moralidade consumindo orgânico, vegano, do pequeno; ou boicotando os grandes que matam, poluem, escravizam.

Acho que você já deve ter entendido o que isso tem a ver com a foto do  hambúrguer do @JeronimoBurger, cujo dono-fundador @JuniorDurski é irresponsável com a vida humana e canalha por demitir 600 pessoas logo após prometer o contrário. Longe de mim dizer onde você deve ou não ir, eu não brinco de ser guia, brinco de ser crítico. E a crítica deve, usando a palavra da @luiza_fecarotta no podcast da @ailinaleixo, contextualizar. Contextualizo: você é uma pessoa pior quando consome um hambúrguer que faz o mundo pior.

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