Madame Jeanne

Certa vez, a Pizza Hut resolveu fazer uma pesquisa para saber o que as pessoas lembravam de uma visita a um de seus restaurantes. Mandavam um e-mail aos clientes uma semana depois deles terem ido e descobriram que eles não se lembravam do sabor da pizza que tinham comido, mas se lembravam se tiveram de esperar para ser levados à mesa ou não, se a garçonete respondeu às perguntas ou não, se o garçom sorriu quando se despediu. Blumenthal fez a mesma pesquisa e ficou arrasado. As respostas falavam mais da simpatia das garçonetes que lhe deram comida na boca ou borrifaram aromas na sua cara do que do arranjo extraordinário de sabores e texturas da comida do Fat Duck. Lembravam das exatas palavras de uma piada que alguém à mesa fizera, mas tinham dificuldade em descrever seu prato preferido. Era cordeiro ou vitelo? Assado ou braseado? Ácido ou amargo? Framboesas ou amoras?

São 21h15, o Madame Jeanne em Marselha fecha às 22h. O garçom hesita entre dizer que já fecharam a cozinha ou me jogar numa mesa alta, escura e com um banquinho demasiado alto para a mesa, apesar de haver outras mesas e cadeiras normais, iluminadas e disponíveis. Ele fica com a segunda opção. Eu tomo notas, o chefe de sala se interessa, passa para cá e para lá tentando disfarçadamente ver o que faço no celular. Rá, aqui vai minha vingança. Tiro fotos de tudo, finjo interesse nos talheres, nas louças, bamboleio no banquinho e tomo notas. Curvo-me desconfortavelmente para a mesa, desisto, pego a tigela na mão como se estivesse num sofá em frente da TV. Restaurantes precisam pensar em cada detalhe, a cada instante: eu ofereceria essa mesa, essa cadeira, essa comida, esse atendimento a um inspetor ou um crítico? Se a resposta é não, deveriam oferecer a ninguém, ninguém.

Ah, e a comida? Ixi, não me lembro.

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