O AE! Cozinha começa a mil por hora; as entradas são complexas, interessantes e prazerosas. Uma dose potente do que eu chutaria ser limão, couve, gengibre e água carbonatada era, na verdade, água de coco, trevo e uva verde no sifão. Contraste perfeito entre exterior crocante e interior pegajoso, o pão de queijos Trilha e parmesão tem sabor equilibrado entre polvilho e queijo, e é divertidamente lambuzado com mel de jataí azedinho e floral. Um brioche fresco, rico e crocante é veículo para o parfait de fígado de galinha leve como uma nuvem. Acompanhado de “vinagrete” de avelã, alho-poró grelhado e maionese com ostra, o iogurte faz o cérebro puxar o “tartare” de beterraba para frutas vermelhas. O “pesto” de abobrinha surpreende com o corpo de guacamole e, junto com a bottarga defumada, o “carpaccio” de abobrinha e a conserva de chalota, eclipsa a pupunha assada ao dente.
O AE! desacelera nos principais. A fartura do nhoque de mandioquinha grelhado, ragu de cogumelos sobressalgado, brócolis, castanha-do-brasil e queijo Tulha é satisfatória e saciante depois das entradas diminutas. Ligeiramente sobrecozido, o peixe vem com purê de couve-flor bem maillardento, denso e aveludado, farofa com aviú e molho de cenoura, laranja e gengibre. No geral, há um apego às raspas e sucos de limões, que poderiam ser interpretados como pontes entre os pratos ou, pela abundância e redundância, abafadores dos protagonistas e da identidade dos cursos. As sobremesas reaceleram a viagem com a “tarte tatin” acompanhada de cumaru, geleia super ácida, sorvete de mel e estragão feito sob encomenda pela vizinha Walnuts. Na outra, a bola de manga conversa bem com o cupuaçu, mas os sabores do coco e do uísque se perdem na dominância do delicioso frutado e acidez da fruta amazônica.






Na internet, todo mundo repete os mantras de pequenos produtores, aproveitamento integral, cozinha sazonal e “bom e barato”. O primeiro é evidente no frescor, complexidade e intensidade de sabores que não encontramos em ingredientes estandardizados, sejam in natura ou processados como queijos da Atalaia e chocolate da Lasevicius; o segundo não fica evidente, não vemos as ramas da beterraba e da cenoura, os talos do brócolis e do agrião, as outras partes da galinha e do peixe; o terceiro talvez fique esquecido na correria da rotina, pois dei uma vasculhada e, embora mudem as combinações e tratamentos, quase todos os vegetais permanecem ao longo do ano. Os frutos das sobremesas variam, mas, se no início de novembro as mangueiras estão carregadas, o cupuaçu e a castanha-do-Pará estão nos primeiros frutos e os cítricos e a maçã estão em floração. É difícil cravar sazonalidades num país continental e tropical, fica o benefício da dúvida.
Não há dúvida, porém, que “barato” seja um termo subjetivo quando chamam o AE! de “bom e barato”. Para mim, uma refeição barata costuma ser umas seis vezes menos que R$120. Difícil cravar “barato” em um país tão desigual. Minha sensação é que o AE! é menos um bom custo-benefício e mais um restaurante num limbo. Os principais, o salão interno desconfortável e os ingredientes-base (brócolis, couve-flor, cenoura, mandioquinha, abobrinha) são almoço executivo; as entradas, as áreas externas, os ingredientes-detalhe (pupunha, bottarga, queijos) e o preço são de degustação. No balcão externo dos fundos, podemos assistir à cozinha por uma janela e receber alguns pratos diretamente dos cozinheiros. Lá dentro, Walkyria, Isabelle, Ygor, Tanaka e Marco trabalham apressados, organizados e calados para desenvolver a identidade do jovem restaurante. Aqui fora, aguardamos curiosos: o que virá dessa janela?
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