Manu

Eu sou fascinado por como podemos saber muito sobre uma comida só pela aparência. Revendo fotos de pratos já esquecidos, as sensações são as mesmas que ficaram registradas nas anotações que fiz durante um jantar no Manu em 2019. Há desleixo técnico nos itens, ausência de estrutura nos pratos e certo amadorismo na aplicação da gastronomia pós-modernista (considero a nouvelle cuisine moderna e a “molecular” pós-moderna). Mais que adivinhação em borra de café, a aparência é índice peirceano, está fisicamente relacionada ao que se vai comer. Não é preciso morder o falafel para saber que está encharcado e molenga, ou que o biscoitinho com molho de tomate e tempurá de folha de cenoura é rudimentar. Não que o ver dispense o comer, não enxergamos os bons sabores no fermentado de cará, na manteiga com cupuaçu, no vinagre de acerola, no olhete com óleo de pinheiro, no chorizo.

A maioria dos infindáveis 23 cursos são sem graça: o tempurá de folha de salsão com polvo e abacate, cujo maior destaque é o sal e a lima; o espinafre, terceiro tempurá da noite, com bacon e rabanete; o simples alho-poró aromatizado com azeite com pinheiro; a sobremesa de avelã, castanha e coco sem elaboração. Outros pratos são combinações esquisitas, como a couve-flor com calda de maracujá e chantilly com amendoim; o ovo de codorna com erva-mate e cumaru; o muito corajoso mar-terra-beterraba, que tenta combinar a difícil terrosidade da beterraba com tartare e ovas. Poucos acertam em cheio, como o camarão com milho pós-moderno, apenas duas pastas de intenso e limpo sabor; e o divertido brigadeiro de beterraba, calda de morango e espuma de iogurte.

O serviço é estranho, percebemos que querem ser simpáticos, mas não sabem ou conseguem, tudo sai esquisito, desconfortável e desajeitado, fazem jus à fama que os curitibanos têm no interior paranaense. A porta fica trancada, as perguntas para quebrar o gelo saem invasivas, a explicação de que os ingredientes vêm de no máximo 300 km surge aleatória. De volta a essa informação ao fim da refeição, é espantoso que consigam cupuaçu, castanha-do-brasil, olhete, ovas, bottarga, açaí e cumaru perto de Curitiba. O açaí é jussara, então vem da Mata Atlântica. A bottarga é de Santa Catarina. Mas onde será que o olhete foi pescado, onde será que o cupuaçu, a castanha-do-brasil e o cumaru foram colhidos? Diferente dos produtores locais, os consumidores são turistas seguidores do 50’s Best, o restaurante é minúsculo e está vazio. Pelo jeito, não somos os únicos a ir embora sem vontade de voltar.

Meu irmão acha que ele é o problema, que ele não entende de alta gastronomia. Eu tento explicar que os chefes celebridades, blogueirinhos, jornalistas, prêmios e guias se retroalimentam do simulacro que eles mesmos criam. E enquanto parte do público paga a conta feliz por achar tudo muito chique, outra parte paga se sentindo trouxa. No fim, mesmo agora que o restaurante em Nova Iorque desandou e o Manuzita surgiu com seus sanduíches “populares” de R$50, Manu Buffara segue a comum contradição de pregar amor aos humildes das cozinhas, roças e mares, mas dedicar seu trabalho aos deleite dos ricos. De repetir na glamourosa rotina de entrevistas internacionais que cozinha não é glamour, mas poder ser vista embarcando em seu Porche um pouquinho antes da faxina começar, sem precisar se trocar porque era a única na cozinha de brincos nas orelhas, cabelos descobertos e sem uniforme.

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