Colocamos nosso nome na lista e sentamos nos banquinhos da fila de espera. Podemos pedir algumas bebidas e caldos enquanto esperamos por uma mesa, e assim o fazemos. O caldo de camarão e o de feijão são quentes, encorpados e entregam sabores característicos e intensos, deixando a expectativa para a refeição ainda maior. O jovem e carismático chefe de cozinha Paulo Quintella expressa tendências contemporâneas globais como pratos internacionais feitos com ingredientes locais, nomes pretensiosos, pratos individuais (no Nordeste, o padrão são pratos para duas ou três pessoas) em um menu de três tempos (R$105) e, nas palavras do restaurante, “cozinha autoral” e “sazonalidade”. Alguns minutos depois, descobrimos que estávamos na fila para o Crôa, o bar vizinho do restaurante Aratu em Marechal Deodoro, Alagoas. Os caldinhos não vieram da cozinha do Quintella.
No Aratu, uma das entradas é um taco com tortilha de macaxeira coberta por creme azedo, queijo coalho derretido, camarões suculentos empanados e salsa (molho) picantezinha. Outra entrada são fatias de banana-comprida recheadas por um campeiro com siri desfiado bem temperadinho, uma salada esquisita de rúcula e uma maionese com “coral de siri” granulosa, pouco ácida e sem corpo. Um dos pratos principais é um tornedor de carne de sol macia e saborosa, crosta bem crocante e defumada, regado em manteiga de garrafa e acompanhado por aligot de puba e queijo coalho azedinho. O outro principal é uma mandala de peixe fresco, saboroso e bem executado, acompanhado por massa puba sem graça, purê de banana-comprida frutadinho, picles de cebola roxa e azeite com ervas.







As sobremesas são bombas de açúcar. O bolo (borrachudo, como se tivesse saído do microondas) e o doce de banana são super doces e vêm com uma bem-vinda farofa salgadinha e maillardenta de amendoim caramelado. A goiabada e o doce de banana que acompanham o sorvete grosseiro, empedrado e insosso de tapioca são excessivamente doces. A carta de drinques valoriza cachaças locais, caipirinhas e brincadeiras como bebidas azul, à base de abóbora ou defumada. Esta última leva cachaça, água com gás, tamarindo, mel e é defumada à mesa. Embora um pouco doce demais, equilibra muito bem a diversidade de aromas e diverte com o defumado atacando pelo ortonasal e ficando no retrogosto.
Sensorial à parte, fui surpreendido pelo domínio das fusões (incluindo fusões de cozinhas regionais brasileiras) na cena gastronômica de Maceió (e arredores). É difícil reprimir o preconceito de que cosmopolitismo é “artificial” aqui, como se só São Paulo pudesse servir “taco” e “aligot” de mandioca, ou ter mineiros, baianos e nipo-peruanos como restaurantes mais conhecidos. Como turista, cometo o erro de buscar um “Nordeste nordestino”, mesmo sabendo que o Nordeste é extremamente plural e não pode ser “não-nordestino”, seja lá o que ele decidir que isso significa. Para piorar, ao mesmo tempo em que quero algo exótico (aos meus olhos), quero avaliar isso com meus parâmetros (de doçura, por exemplo). Mas se é absurdo achar que os alagoanos deveriam parar no tempo e se fechar ao mundo, também é ingênuo não se preocupar com a preservação de estilos, técnicas e tradições locais (não só de ingredientes).
É a velha guerra entre os “crips” e os “bloods”, para usar os termos do Jeremy em Stanley Park. Com sorte, todas as propostas e estilos poderão conviver. Com sorte, ao menos essa maionese ganha corpo em Alagoas.
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