Waffles belgas

Infelizmente, alguma indústria domina o mercado de waffles na Bélgica, fornecendo bolotas de massa industrial em bandejas de plástico branco que podem ser vistas nas cozinhas dos quiosques de todo o país. Em geral, os waffles ainda são pré-grelhados deusas sabem lá quando, sendo apenas requentados por alguns segundos antes de serem servidos desmaiados e insossos. Em tese, existe diferença entre o waffle bruxelense e o liégeois, o primeiro seria mais leve e aerado, o segundo mais brioche e pontilhado por “pérolas” de açúcar. Mas as fronteiras já nebulosas entre os dois são engolidas pela padronização industrial, que reduz a diferença aos formatos quadrado e redondo. Fora da Bélgica, alguns chamam o waffle bruxelense de waffle belga. O que me soa irônico, porque o liégeois é o mais comum na Bélgica, inclusive em Bruxelas.
Enfim, destaco três bons exemplares:

Sweet & Smoky
No estacionamento de uma loja de móveis em Sint-Genesius-Rode, entre Bruxelas e Waterloo, há um carrinho que vende shawarmas, empanadas e waffles. Contra todas as probabilidades, o waffle é delicioso. Apesar de ser a massa industrial padrão, ele é grelhado do zero na hora, o que demora um pouco, mas faz toda diferença no sabor e na textura interior, finalmente viva, úmida e puxenta. Como fica mais tempo na grelha, o açúcar polvilhado por fora carameliza em um ponto mais escuro, dando aroma, crocância, dulçor e calor.

Marché Jourdan
A massa crua está em baldes brancos na barraca de waffles da feira dominical na praça Jourdan em Bruxelas, então sabemos que é caseira, não industrial. Completamente diferente do waffle que encontramos em 99% dos quiosques da Bélgica, é quebradiço e farelento, embora não seja seco. Branquelo, o sabor é neutro, de biscoito maria. Acredito que usam fermento químico, não biológico, sendo portanto mais um waffle holandês grosso que um liégeois não-fermentado.

Désiré de Lille
Essa confeitaria antuerpiense fundada em 1903 serve verdadeiros waffles bruxelenses. A fermentação deve ser longa, o resultado é extremamente leve, uma caixa oca que aproveita a extensa área de superfície da grelha para gerar reação de maillard e, portanto, sabor. Os aromas puxam mais ao salgado que ao doce, a doçura vem apenas do açúcar de confeiteiro. Para mim, parece ser feito de mandioca por conta do sabor de biscoito de polvilho e da textura, mais crisp que crunch, de um pão de queijo de polvilho azedo.

*Obs. Queria fugir de waffle, mas usar gaufre ou Wafel seria fugir de um estrangeirismo para cair em outro. Poderia recorrer ao gofre do português europeu, mas não deixaria de ser colonialismo. Talvez o jeito fosse aportuguesar para uáfols ou chutar o balde num uêifol, seguindo a pronúncia popular, mas isso anda meio méquizice. Fiquei com waffle mesmo, que é a dicionarizada no Brasil de qualquer forma. Também tive dúvida quanto a serem grelhados ou assados. Considerei o primeiro mais apropriado, pois recebem calor de grelhas metálicas, não de ar quente. Acrescento que apesar de compartilharem o nome e o cozimento em grelhas com padrões geométricos, os waffles belgas são pães fermentados por leveduras, os holandeses são biscoitos e os estadunidenses são panquecas de levedação química.

Deixe um comentário

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑