Banca do Bahia

O homem vestindo trapos está feliz com o café que acaba de ganhar. Ele fala da inflação, diz que lembra do café a 50 centavos, da passagem a 1,50, do gás a 15. O dono da banca, como que para justificar cobrar 2 no café, fala sobre quando o leite era 60 centavos e o café era 5. Diz que começou 20 anos atrás, com 16 anos, ajudando o tio numa banca na Faria Lima. Na época dava dinheiro, ele lamenta, ultimamente tá difícil de manter o carro ou ir à praia. Os nomes pairam, mas não aparecem. Eu fico naquela angústia antropológica entre a observação participante ou não participante: culpa do Guedes e do Bolsonaro!

Mais tarde, digerindo o episódio, me arrependo de não ter perguntado o nome do vendedor e quem faz o bolo de fubá efetivamente cremoso, não muito doce, com sabor de fubá e um salgadinho de queijo em cima. Para escrever sobre restaurantes, basta olhar na internet e ficamos sabendo de tudo. Já a centena de informais que polvilham as calçadas de São Paulo com bolo e café, eles são anônimos. Ou, como diz o banqueiro paulistano que está em Brasília para cuidar de seus interesses em dólar, são invisíveis. O pingo de esperança nessa história é que se os banqueiros paulistanos são invisíveis para o banqueiro em Brasília, o inverso não é verdadeiro. Bolsonaro ainda há de pagar essa conta, amém.

No sábado seguinte, o banqueiro não está na Pamplona com a Paulista. Solange, que vende tapioca do outro lado da avenida, diz que cuida da banca quando o amigo, o Bahia, precisa de uma folga. Pergunto quem faz o bolo, ela garante que é “caseiro”, mas não sabe quem faz. Como quase todos os banqueiros da cidade servem bolos muito parecidos nas mesmas embalagens plásticas, desconfio que o “caseiro” seja duas ou três “indústrias” em garagens da periferia. Já escrevi antes que ser ou não ser “caseiro” diz pouco sobre a qualidade em si do produto, além de ser impossível tentar definir o que é ou não é caseiro/artesanal, em que ponto deixa de ser?

Em nome da ciência, experimento o bolo de [sabor] chocolate para saber se o de fubá é exceção. Embora alto, úmido e macio, o sabor é químico plastificado. O achocolatado nem Toddy é, é algum pior. Porém, as cores amarronzadas da massa e da cobertura açucarada em cima são suficientes para fazer qualquer cérebro acreditar ser bolo de chocolate: olha o efeito crossmodal aí!* Assim como o café e o bolo de fubá, não está muito doce. Talvez estejam economizando no açúcar porque o preço subiu 50% desde o ano passado. Quando eu encontrar o Guedes no supermercado, agradecerei.

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*Uma curiosidade: uma tia merendeira da @debiantunes tem uma receita de bolo de feijão-preto que qualquer desavisado come jurando ser bolo de chocolate. Fica mais saboroso que colocar achocolatado ruim e [ligeiramente] mais nutritivo, por isso, essa deliciosa brincadeira crossmodal será, tadá, a primeira receita do ENE!

Bolo de feijão
2 xícaras de farinha de trigo
1 xícara de feijão-preto cozido e processado
3 ovos
1 xícara de açúcar
½ xícara de manteiga ou óleo
1 colher de sopa de fermento químico
1 pitada de sal

Fazer uma cobertura achocolatada e colocar granulado marrom em cima aumenta o efeito crossmodal.

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