O Lume joga um jogo. Enquanto a maioria de seus clientes têm pele branca, peruas importadas, conversas entediantes, roupas de playboys e patricinhas do interior, e deixam no canto do prato tudo o que for verde; o restaurante é milenium dos pés à cabeça, esquerda caviar, inclusivo em gênero, etnia e orientação, pai de plantas e bicicletas. Nesse jogo, os clientes recebem suas proteínas e carboidratos fáceis, enquanto o Lume avança algumas casas aqui e ali com cautela e sutileza.
O filé suíno sobrecozido vem acompanhado de talharim ao molho de limão que não chega a ser molenga, mas também não oferece uma textura nitidamente ao dente. Acho que menos pelo cozimento e mais pelo refino da farinha, mais semolina talvez resolvesse. A barriga de porco também sobrecozida vem com canjiquinha que absorveu bastante caldo de vegetais, mas continua sem graça. O pato confitado e nhoque oferecem excelentes texturas e só. O lindo capeletti é recheado com um creme de abóbora não muito aboborento. Não são pratos ruins, apenas sem muito brilho, o mais longe que vão são a um molho de limão ou ao pato rosado.








Eu gostei muito de um prato: a costela dourada e desmanchando, contrastada e complementada pelo frutado agridoce do tomate. O tapete de polenta ainda acrescentava um azedinho e fedidinho de queijo azul. Curiosamente, essa costela com tomate macedoine também pode ser vista no Cepa. Além disso, os cones de salmão defumado são bonzinhos, mas “bonzinho” é uma ofensa aos cones de salmão do Thomas Keller. Pessoalmente, gosto muito da liberdade que a Gastronomia tem com direitos autorais, o que é bom tem mais é que ser replicado, que a gente se lambuze em boas ideias. Talvez por ser cientista, só acho que a gastronomia como um todo poderia referenciar mais, não? É viajar demais querer citação?
O atendimento é informal e informado, capaz de descontrair sem ser invasivo e de descrever pratos de forma ao mesmo técnica e acessível. Conhecendo seu público, sempre explicam que o pato precisa ser rosado, que a costela é gordurosa, que a massa é intencionalmente ao dente. Mais que autoconsciente, calibrado e talentoso, o serviço é parte da identidade da casa, alinhado com a proposta da cozinha, linha de frente nessa dança com os limites do público. Tão raro um salão que pensa, né? Impera essa ideia de que qualquer um pode atender mesas, basta não errar os pedidos e não quebrar copos.
É assim que o Lume joga o jogo. Avança no trabalho duro, na precisão e no preciosismo. A chefe @carol___albuquerque, sempre presente, não deixa passar um ato involuntário na cozinha ou no salão, nada é entregue à sorte. Recua numa certa pequenez de sabores, um certo conservadorismo interiorano da carne grande, gorda e vermelha com raízes e cereais, mas pouca hortaliça, legume, frescor, picância, acidez, vísceras, especiarias. Ainda bem que nem sempre é preciso ganhar todas as rodadas para se ganhar um jogo, o Lume é um facho de luz que avança alguns centímetros sobre essas trevas chamadas Campinas.
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