No @31restaurante, tudo é transparente. Vemos, lá fora, o vai-e-vem das trans e dos sem-tetos. Vemos, aqui dentro, a cozinha silenciosa e ociosa olhar para paredes e relógios. Vemos, de imediato, que o serviço é muito amador, ainda mais para um restaurante de tíquete médio acima dos R$200. Ao longo da refeição, vemos também que pouco da comida rende prazer, preferindo caminhar entre inusitada, insossa, insuficiente ou simplesmente ruim. Nem o sal, o primário sal, conseguem dominar. Vários pratos já estavam muito bem salgados antes de serem cobertos por flor de sal. Poxa, entendam que flor de sal não é flor, é sal. Não usem para enfeitar, usem para mudar a distribuição de sal, criar destaques e contrastes que alteram a combinação, intensidade e temporalidade do sabor.
Entre os inusitados, temos broto de samambaia com sabor mazomenos do vinagre em que foi marinado; temos meio cogumelo selvagem super exótico, amargo, adstringente e químico-terroso; temos queijo de leite cru da casa com pólen de abelha tiúba e vinagrete com sabor de serragem. É super legal que brinquem com a nossa confiança, “será que é seguro comer isso?”, mas não acho que alguém fique feliz em comer. Entre os insossos, temos o bambu com azedinha, cebolinha assada e suco de pepino; temos os cubinhos de tubérculos com pasta supostamente de alho; temos de último salgado, auge da refeição, um ovo cozido gelado com sabor de ovo de codorna de boteco envolto em cebola queimada.
















Alguns elementos eram bons, mas não suficientes para ser um prato, como o tomate morno com morango e nêspera, e a couve cavalonero extremamente salgada e monótona depois da primeira mordida. Viessem juntos, se destacariam, colocariam em contraste suculência e secura, frutado e verde, doçura e salgado. É o que fazem os pontos altos da degustação: a berinjela com demi-glace de cebola e pasta de gergelim, e a canjiquinha com tomate verde, brócolis romanesco e quinoa frita. Me vem à cabeça o Remy do Ratatouille explicando como os sabores do queijo e da uva explodem mais quando combinados. Seja por costume ou por motivo evolutivo, o modelo de pratos com dois ou três elementos complementares e porção maior que uma única mordida funciona. Que tal usarem?
Nas sobremesas, a mousse de tomate com geleia de vinho, capuchinha e caramelo com pimenta da jamaica entrega sabores, só podia ser menos doce. O doce de manga e malte é ainda mais doce, e o sabor é, no mínimo, desafiador. Uma jabuticaba super insossa, especialmente depois de sobremesas super doces, é servida in natura “para valorizar o produto”. O creme azedo que parece iogurte com raspas de limão domina a sobremesa que valoriza a jabuticaba. O doce de abóbora, cottage da casa e favo de mel é salgadinho, docinho e sem graça, deveria vir primeiro, né. Como @allanfoliveira bem definiu, o trio castanha caramelizada, doce de banana e torrone com cumaru é uma sinédoque da refeição, um grande “tá, e daí?”.
Suspiro.
Às vezes, me pergunto se tenho mesmo que ser rígido nas críticas. Bate um peso, um pesar e um pensar. Por que não relaxar e só espalhar elogios? Seria tão mais fácil só destacar como é legal um restaurante que foca em produtos brasileiros sazonais, que ocupa a região central de São Paulo, que é vegetalcêntrico, que tem lindos empratamentos, jovialidade e ousadia. Mas aí, por exemplo, eu fui com um amigo “fora do meio” gastronômico. Era aniversário dele, eu queria algo incrível, que mostrasse um mundo de aromas, gostos, texturas, ingredientes, técnicas e conceitos que arrebatam os sentidos e encantam o espírito. Queria desfazer o mito de que alta gastronomia serve porções minúsculas que beiram o ridículo, que é culturalmente inacessível e sensorialmente insossa. Foi exatamente isso que o 31 nos serviu. Poxa, é um desserviço à gastronomia. E um desserviço que me custou R$500, sabe?
Nós “do meio” temos mania de ridicularizar, espumar, agredir os “de fora”, os “ignorantes” que comem porcaria. Queremos que troquem as franquias de shopping por restaurantes orgânicos, sazonais, vegetarianos, de cadeias curtas e sustentáveis que geram mais e melhores empregos, cujos donos não são “patriotas” com contas em paraísos fiscais. Porém, “o meio” gastronômico falha em compreender, incluir, oferecer e satisfazer essas pessoas, e não só elas, quem é “do meio” também. A ignorância é nossa, do mercado gastronômico, de não entender e comparecer em nossos papéis sociais. Tudo bem que o 31 é propositalmente ultra-vanguardista e provocador, talvez sejam aclamados gênios no futuro. Talvez. Por enquanto, me parece bem intencionado, mal executado e sem futuro.
Muito bom! A boa comida é para o saboreio, o que passou ao largo na experiência descrita! Em compensação, deu pra apreciar um excelente texto, que sem queimar a pena com pimenta, oferece excelente degustação para o leitor!!!!
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