Nós, elite educada, informada e bem nutrida brasileira não temos desculpas para o nosso imenso atraso na redução voluntária do impacto ambiental. A gente continua sem abrir um dedinho sequer de usar carro (Uber é carro, amores!), viajar (ainda mais de avião), gastar energia, comprar roupas, aparelhos, comidas e bugigangas que poluem, desmatam, percorrem quilômetros. A gente retuíta a Greta, mas faz a egípcia para as consequências ambientais claras e inequívocas de comer produtos animais, especialmente carne bovina. Não há meias palavras, é botar nossas calças de gente grande e mudar nossa dieta de forma séria, imediata, significativa, hoje, agora, já. Nutricionalmente, não, a gente não precisa comer carne, quem dirá todo dia, duas ou três vezes e ainda repetir o bife no almoço. E, não, a gente também não precisa de carne para fazer comida gostosa. É exatamente o que o @Arkherestaurante nos mostra.




Se a razão de existir de um amuse bouche é impressionar, a salada de lentilhas com espuma de alho-poró me impressionou. Super terrorosa, carnosa, umami, salgadinha, cheia de presença. Tem certeza que não tem carne aqui? Nem um maggizinho? Tô passada. Na entrada, uma boa dose de gengibre quebra o tédio da batata-doce, fica leve, pungente, salivante. O suco de tamarindo amarguinho e agridoce contrasta com a gordura do croquete de chanterelle sóbrio, terroso, sequinho. Tudo em intensidade alta, calculada, parelha, de longa permanência. De principal, lindos ravioli recheados de berinjela apimentada de boa força diante do molho agridoce de pimentões (lembrando-nos que tomates e pimentões são frutos e parentes próximos da família Solanaceae). Delicioso, delicioso.
Na sobremesa, um sorbet mega intenso de pêssego lactofermentado, como se concentrassem mil pêssegos em cada colherada. Junto, vêm pêssego verde assado (completamente diferente do sorvete, verde, crocante e adstringente) e espuma de arroz (diferente do arroz-doce brasileiro que não tem sabor de arroz, só de leite, a espuma tem sabor cerealoso, de arroz, que também vai bem com a doçura). Uma sobremesa perfeita. No Arkhe, pagamos “apenas” 45 euros por amuse bouche, pão e pastas, uma entrada, um principal, uma sobremesa e um petit fourzinho. Saio encantado, feliz da vida e convencido de que é possível fazer uma refeição completa, complexa, cheia de presença, diversa, saciante e deliciosa sem um único naco de carne. Se um restaurante chique de Lisboa passa longe de ser a solução para o apocalipse climático que vivemos, pelo menos prova que vegetais e fungos são o bicho.
Com certeza o melhor restaurante vegetariano em que já fui! Valeu pela dica Iuri!
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