Ciao Pizzeria

Por mais que eu tente, não consigo gostar da Ciao Pizzeria. Entendo a excitação de todo mundo, está tudo lá. Um chefe de cozinha talentoso, Gabriel Rossi; uma linda massa de alta hidratação, longa fermentação e forte extensibilidade; azeite e tomates importados; preço camarada; tudo original, tudo clássico, tudo napolitano. Também é delicioso assistir à linha de montagem das pizzas no Bom Fim. Uma dezena de caixas empilhadas organizando as lindas bolotas de massas com merecido preciosismo. As mãos ágeis tirando o gás e abrindo a massa; os potinhos de recheios vivos e coloridos, o forno emanando calor e aromas no salão. Era para ser sublime…

Na massa, a qualidade da farinha e a destreza técnica são encantadoras, é verdade. Só que o resultado é molenga e entediante. Faltam duas coisas indispensáveis a qualquer bom pão: casca e fermentação natural. A casca ofereceria crocância e aromas da reação de Maillard; a fermentação natural ofereceria acidez e aromas da atividade bacteriana. Para o meu azar, na última vez em que fui, a massa ainda estava crua nas bordas e ligeiramente salgada demais, naquele ponto que é ótimo na primeira fatia, mas incomoda lá pela metade da pizza. Tudo bem, foi um erro pontual, só dessa vez, acontece. Agora, massa molenga e entediante é constante.

No recheio, a Ciao brinca apenas com os gostos doce e o salgado, oferece zero umami (olha que diz que coloca parmesão), zero acidez e só um pouco de amargor no manjericão. A confiança cega no tomate e no azeite italianos talvez seja o maior problema, parece que pensam que apenas por serem italianos, magicamente resolvem tudo. Só que o azeite que usam chega velho ao Brasil, seria ótimo se tivesse frescor, picância e aromas verdes. Só que o tomate da Itália tem acidez nenhuma – algo em geral positivo -, mas a desvalorizada acidez do tomate do Brasil (e, se não for heresia, um toque de alho) cairia muito bem na pizza deles. Ela faz falta. Tudo o que é agridoce provoca o paladar, faz salivar, faz querer mais, por isso que ketchup é tão popular.

Para além do sabor (a interação entre gosto e aroma), não compartilho da ideia que a Ciao tem de hospitalidade. Um cardápio em italiano que intimida e dificulta, como se a função dele não fosse justamente comunicar!; a pizza grande para uma pessoa, mas pequena para dividir; a comemoração (não o pedido de desculpas) ao constatemente esgotar as pizzas, como se isso provasse serem a última bolacha do pacote; a artificialidade com que propõe clichês hipsters como mesa apertada compartilhada, banco alto, copo de plástico, comer com as mãos – se ao menos a massa fosse crocante, mas é molenga, o recheio escorrega! Fica forçado, cria barreiras, nada está ali para bem receber, está ali para forjar uma experiência, está ali pelo faz de conta.

O resultado é uma pizza insossa em um lugar desconfortável. Não que o ENE não seja clichê, desconfortável, faz de conta, arrogante e hipster. Ao contrário, talvez seja justamente por ver minha própria breguice espelhada na Ciao que não consigo gostar dela. Mas, oras, vamos lá, não dá para fazer pizza napolitana fora de Nápoles, terroir é irreprodutível por definição. Escrever cardápio em italiano não vai resolver isso. Que tal focar menos em criar uma “experiência” e focar mais em criar uma pizza saborosa? Podem fazer isso colocando mais parmesão e trocando o tomate e azeite italianos pelos gaúchos. Só, pelo amor!, não apelem ao símbolo maior da preguiça culinária: lambuzar de Nutella.

 

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