Crime Pastry Shop

A massa folhada da mil-folhas que comi tinha sabor de algo que já não era bom quando foi feito, e aí passou uma noite em algum lugar absorvendo aroma de geladeira. O recheio, um chantili sem brilho, tinha sabor de creme de leite gordo comum, não tive notícias do tal mascarpone. Não entendi por que trocam o creme confeiteiro por algo mais gordo se a massa folhada já é toda trabalhada na manteiga. Senti falta também de um chute de açúcar, uma camada de dulçor. Ouvi dizer que jogam açúcar de confeiteiro na hora de assar “para caramelizar”. Parece que em vez de caramelizar, está evaporando, favor verificar. Sem sabores e sem doçura, a mil-folhas é um nada por R$22. Aliás, o gerente enlouqueceu. Não, sério, ele não tá bem, R$26 por uma fatia de banoffee? Pequenos crimes mesmo, tô preocupaaado. Se ainda as tortas fossem bonitas como no Instagram…

Para salvar, a choux é bonita, fininha, crocante e gostosa. O recheio tem cheiro, cor e gosto do chocolate belga. Vou repetir até morrer: é bom, mas porque iria até a Curaime Peistri Xóp para comer Calebô? Tá passadah? Não entendo por que todo mundo usa o mesmo chocolate neocolonialista quando temos chocolates artesanais locais melhores. Para confeitarias de quantidade, industriais, preço mediano, é maravilhoso. Mas a Curaime se vende e cobra por qualidade, os jornais até dizem que “já abriu uma das melhores confeitarias de São Paulo”. Cês querem me matar, né? Os jornalistas tão comendo doce onde? Na Carlo’s Beiqueri? Quem é de verdade, sabe quem é de mentira. A Curaime transborda estrangeirismos, ingredientes e receitas clichês, e quando inova, erra. O minimalismo cai num “menos é menos” tão brochante quanto fru-fru demais.

“Ah, mas o Rafael Protti passou dez anos na França.” Minha cara de quem aceita carteirada, mores. Sou vira-lata sem recalque de pedigree. Vamos combinar que a Hermès, independente da sua história, equivale às nossas confeitarias de aeroporto e shopping. Nada indigno em trabalhar nelas, pelo contrário, meu imenso respeito… só não me tenta passar isso no crédito. E, dez anos na França, mas não viu a comida fora dos livros do Lenôtre, do Escoffier e do Robuchon? Técnica não resolve tudo, a comida francesa é a comida francesa porque valoriza o que é de lá, usam seus melhores ingredientes, em suas melhores condições, com as melhores técnicas, no melhor contexto. Vamos fazer o mesmo? Aproveitar o que há de melhor aqui e agora?

“Ah, mas o objetivo da Curaime é fazer docinhos sem frescura mesmo, para acompanhar o café”. Verdade. A fama, a expectativa e as carteiradas não vieram dela, vieram do público e da imprensa. Mas a Curaime também não entrega a proposta. Se era para acompanhar o café, cadê os cafés tudo? Só tem espresso. E R$25 num docinho para acompanhar um café? Tem de ser muito rico para tomar esse cafezinho aí. Rico e besta, tá cheio de coisa melhor por menos. Não insinuo avareza ou ganância, sei que, graças ao Naro, o euro tá no céu e nossos salários no inferno. Mas é outro motivo para valorizar o daqui, né. O que precisa é rever posicionamento, prioridades, produtos e insumos. Tem de ser francês clássico porque é só o que sabe fazer? Ok. Como fazer isso no Brasil? O que precisa adaptar? Quanto custa? O que precisa oferecer para cobrar isso?

“Ah, mas todo mundo gostou, menos você”. Touché, vida segue.

4 comentários em “Crime Pastry Shop

Adicione o seu

Deixar mensagem para eunaoengulo Cancelar resposta

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑