Shihoma

Em janeiro, fui com o @vinigf__ e achamos o @pastashihoma ordinário, muito longe do que os influenciadores e jornalistas nos prometeram que seria. Passaram uns meses e o @joaogferraz causou rebuliço no mundinho gourmet paulistano dizendo que chamar o Shihoma de “genial” era leviano. Ufa, talvez, o Vini e eu não sejamos completamente loucos. Mas como o que nos fora servido estava muito diferente do que outras pessoas diziam comer lá, precisava ir pelo menos mais uma vez antes de escrever. Levei um tempão para ir de novo. Primeiro porque o Vini disse que tínhamos de ir juntos, me enrolou por meses e ainda acabou indo com outra (cachorro, canalha, galinha! Haha). Segundo porque é difícil conseguir disposição e/ou companhia para ir. Almoço, dia de semana, fila, chato de chegar por transporte público, pagar R$150 por uma refeição ordinária… quem vamos? Ninguém.

Eu e o Vini mantivemos nossa qualificação de ordinário nas segundas visitas independentes. O Shihoma é consistente, nada indica que os que acham genial tenham comido algo diferente do que comemos. Tudo bem, concordemos em discordar, nada é “técnico” ou “objetivo” nesse mundo. Para tentar explicar a discordância, o Vini (tenho nada a ver com isso) trouxe à mesa uma teoria que batizei de Teoria Gomes-Ferreira. Ela prevê que o grau de sobrevalorização dada por influenciadores gastronômicos paulistanos é diretamente proporcional à nipocidade de um/a cozinheiro/a. Quando ouvi a teoria, muitos exemplos surgiram na minha cabeça, de fato, parece que nosso meio abraça com fé o estereótipo [etnicista] de que os japoneses são meticulosos, organizados, detalhistas, rígidos e passam no vestibular.

Uma ilustração divertida da imparcialidade: os mesmos influenciadores que elogiam o Shihoma vivem falando em “autenticidade” e “tradicionalidade”, e dariam um baita piti se alguém com sobrenome italiano se metesse a fazer sushi. É ou não é? Eu, de dentro da comunidade nipônica, tenho a impressão de que podemos ser dedicados ou desleixados na mesma proporção e intensidade que qualquer outra etnia. Se fosse pontuar características gerais da cultura japonesa, eu iria mais para o lado do conservadorismo, do apego à hierarquia, da dificuldade em dialogar, da opressão e do sofrimento como modo habitual de lidar com os outros e consigo mesmos*. Mas, deduzir a partir de observações pessoais, sem um duplo cego randomizado, só pode dar nessa digressão que deveria ter ficado na minha terapia (ops) ou dar em cloroquina. Bora esquecer isso aí, próximo assunto.

Quem quiser as longas e chatas razões pelas quais considerei a comida do Shihoma longe de genial, continue. Quem não quiser, o dedo no cu e terapia acabou, pode ir fazer outra coisa.

Vini e eu recebemos um patê super suave, sem sabor, basicamente uma manteiguinha tingida de rosa. Eu, pessoalmente, gosto de sabor de fígado no meu patê fígado. E aí, seria ótimo ter um bom patê para tentar compensar o pão carbonizado horrorosa e irregularmente**. Mas eu entendo, é difícil fazer uma torrada, nem com muita disciplina, detalhismo e rigidez. Nas entradas, achei a stracciatella com maçã verde, salsão e pistache feia. A combinação de sabores, embora teoricamente pareça fazer muito sentido, não funcionou na minha boca e nariz, o queijo desaparece, o salsão com a maçã verde se estranham no aroma. Aconteceu o mesmo com o raviolo. O espinafre domina tudo, faz a gema ficar enxófrica e o queijo cabroso de forma desagradável. E essa folha inteira de sálvia? É para termos um soco desequilibrado de sálvia na cara e se adaptar ao arominha equilibrado na manteiga?

Nos principais, as porcelanas chegaram mega quentes e a comida fria. Sei lá, brochante pra caralho, dá vontade de levantar e vazar. As massas são al dentes suaves, sem muita personalidade. Muda a aparência e o nome, mas na boca é tudo igual, a textura é sempre a mesma e ela não me chama particularmente a atenção. Para ser justo, pode ser apenas culpa do Picchi ter me mostrado o que massas podem ser e quantas texturas diferentes podem assumir, o meu mundo ficou cinzento depois de comer lá.

O ragu do tagliatelle tinha carne esturricada e nenhuma intensidade ou complexidade de sabor particular vindo dos produtos enlatados 3 verões atrás na Itália. O aliche com cebola confitada de outra massa estava excessivamente salgado e monótono pra burro. Desconsiderar o sal já presente no aliche é coisa de amador. A cebola confitada, em vez de caramelizar e maillardar, parecia feita no vapor, com aquele aroma de cebola velha na geladeira. O cardápio explica que o nome das dobrinhas é temomi, e que elas servem para carregar o molho. Mas que molho? Só tem pózinho, ele gruda, não precisa de dobras. Mesmo com fome, não consegui comer. De verdade, não consegui. O serviço fez seu trabalho, perguntou o que tinha acontecido, pediram detalhes, anotaram tudo e passaram para cozinha. Só escapou de ser o miojo mais caro da minha vida porque, obrigado, não cobraram por ele.

De sobremesa, achei a panna cota com figo e mel de cacau estranha. Por algum acaso, achei que o sabor da folha de figo não rolou com o sabor de creme. O sabor de creme de leite ordinário meio que faz o óleo ficar mato demais? Seria alguma diferença genética nos receptores olfativos meus e do Vini? Porque as combinações de sabores das entradas e dessa sobremesa soaram bizarras pra gente, com os ingredientes estragando uns aos outros. Para ter um final feliz, adorei o tiramisu. Arominha de laranja, azedinho, super úmido, achei doce no ponto. Ele veio detalhista e meticulosamente ornado por um fio de cabelo, mas eu não ligo, é só cabelo, gente. Uma sobremesa que presta em SP? Aleluia, irmãos!

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* Olha que poético, é meta, cá estou sendo cruel e opressor.
** Infelizmente, na troca de celulares, perdi as fotos da primeira visita ao Shihoma. Mas eles mesmos postam foto da torrada com umas zonas brancas, outras carbonizadas e quase nada de dourado bronze sensual.

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