Osteria Francescana

Eu nunca tive muito interesse em ir a Osteria Francescana, mas minha companhia precisava de alguém (trouxa) para cobrir uma ausência de última hora (e salvá-lo de pagar a multa) e eu fui. Eu fui, foi caro e foi ruim.

Da chegada à despedida, a comunicação é desajeitada e ineficiente. Misturam inglês e italiano em murmúrios apressados, ficamos perdidos para navegar no restaurante, na refeição, nos pratos. E olha que a palestrinha é farta. Acho meio colonialista dizer que são obrigados a falar inglês, não são. Poooorém, um restaurante mundialmente famoso, três estrelas, melhor do mundo um par de vezes, na Europa, não custa falar um inglesinho, né. Eles concordem ou não, é a língua franca mundial do momento. Não querem falar inglês? Ótimo, adoro rebeldia. Falem italiano devagar, gesticulado, ilustrado, desenhado. Tenham gente para falar meia dúzia das línguas mais comuns e organizem o salão de acordo. Se esforcem e treinem para se comunicar, não para murmurar italinglês apressadamente e sair correndo.

O salão é minimalista sem ser chique, as mesas tem puxadinhos (por que não têm mesas do tamanho adequado?), os fios dos abajures saem das tomadas expostas nas paredes e serpenteiam pelo chão, as taças insossas são de marcas diversas e aleatórias, as cortinas ficam fechadas (por que nos privar das ruas e do sol de Modena?), a luz forte e artificial cansa, ainda mais com as looongas esperas entre os pratos. O serviço é ruim ao ponto de eu pedir sugestão de vinho branco em taça, o sommelier sugerir um “typical white or an orange wine”, eu pedir que ele me contasse mais sobre os vinhos, ele ficar irritado e dizer ríspido: “one is typical white, the other is orange wine”. Haha. Sério, que absurdo. Infelizmente, a cozinha não compensa os problemas do salão, acho até que só de ver as fotos já dá para ver. Dá ou não dá?

O menu dá largada com uma brincadeira: começar pela sobremesa. Adivinhem? Como sobremesas, as entradas são péssimas. Como entradas, são péssimas também. Exemplo: o panetone é rico, gordo e macio, mas doce demais, desaparece com a lentilha e a linguiça. Então pra que tem lentilha e linguiça? E aí, recomendam experimentar um pedaço e deixar o resto de lado para ir comendo como pão porque não vai ter pão. Cara… traz uma porra de uma cesta de pães linda, diversa, estalando de fresco. Isso é ou não é o melhor restaurante do mundo 2016 e 2018? Esse panetone é doce e gorduroso demais para ser pão, sabe? Tenta ser entrada-sobremesa-pão e é péssimo como entrada, como sobremesa e como pão.

Outra brincadeira é uma “porchetta” de pregado mega leve, zero gordura, só sabor de erva-doce, molho verde feio. Oi, nada a ver com um torresmo? As brincadeiras são massimocêntricas (não há Instagram do restaurante, só dele), ouvimos o nome dele a todo momento. O chawanmushi, por exemplo, vem com um acrílico laranja neon como “tampa” para simbolizar quando o herói supremo “limpou o mar Adriático”. Se é para limpar o mar, enfiassem o plástico efetivamente na sopa de peixe fria com sabor de água do mar antes dele ser salvo, não? Na sobremesa, brincam de trocar a torrada do café da manhã infantil (nostalgia, dizem) por massa tostada com manteiga e geléia de laranja. Eu me animei, ainda tenho 5 anos e como pão com manteiga e goiabada toda santa manhã (ops). Para minha surpresa, ficou horrível. Quem diria que a textura e o sabor do pão são tão insubstituíveis? Olha aí, que máximo, o Massimo me ensinou algo.

Aproveitando a atitude otimista e “décimo do copo cheio”, deixo aqui 1) um elogio: o Osteria é melhor que o gigante Alinea (uau, em?), e 2) um trecho d’A vida de Galileu do Brecht que me veio à mente:
Andrea: “Infeliz o país que não tem heróis!” […]
Galileu: “Não, infeliz o país que precisa de heróis.”